A INTERNET EM ALAGOAS

ALAGOAS | Região: Nordeste Municípios: 102 Capital: Maceió
ÁreaTotal: 27.779 km² População: 3.120.494 PIB: R$ 6.728 per capita/pessoa


"Internete" bate à porta

Menino novo da zona rural prefere hip hop ao forró típico. Idoso diz que, apesar de nunca ter usado computador, está presenciando transformações anunciadas por Padre Cícero, cultuado por muito nordestino do interior como o maior milagreiro e profeta das redondezas. No Sertão de Alagoas, um dos três estados mais miseráveis do Brasil, a pobreza convive com as mudanças trazidas pela onda digital. 

O Sítio Serra do Sobrado, zona rural do município de Mata Grande, a 266 quilômetros de Maceió, até hoje não tem internet nas residências nem dispõe de centros comerciais para o acesso pago, as lan houses. No entanto, já reúne histórias evidenciando que caiu na rede mundial de computadores. Está ligado na era digital, reformulou o modo como vê o mundo, como se relaciona e faz parte dele. A família Moura descobriu há cinco anos o poder da web. Seu Antônio de Moura, aposentado de 92 anos, ficou surpreso quando chegou a notícia de que jornalistas de Mata Grande (AL) e de Upanema (RN), delegados de polícia e prefeitos dos dois municípios, separados por 563 quilômetros, uniram-se para trazer o irmão dele de volta para casa, depois de 15 anos desaparecido. "Foi, foi essa tal de intemete mesmo. Foi ela".

Seu Otacílio de Moura, irmão deficiente mental de seu Antônio e que fugira do sítio onde morava com a família, chegou desnorteado na delegacia de Upanema. E-mails para cá, postagens em sites para lá, e descobriu-se a sua família. A busca por ele começou por iniciativa do jornalista Anaximandro Eudson, de Upanema. Chegou até Walter Medeiros, que nasceu em Mata Grande e escreve um blog sobre a cidade (http://omatagrandense.blogspot.com/). Walter, que hoje vive em Natal, arregimentou o aposentado Germano Alves, morador de Mata Grande para ajudar na mobilização a fim de encontrar parentes de seu Otacílio. Germano contou com a bancária Valderez. Pronto, a comunicação via web levou pistas do desaparecido até o sítio.

Enfim, seu Otacílio foi resgatado pelo sobrinho Cícero numa longa viagem de ônibus. "Sou analfabeto, não sei nada do mundo, mas quando avistei meu irmão aqui no sítio vi como esse negócio de computador roda o mundo", afirma seu Antônio. "Lógico que agora sei o que é computador. Minha filha, nunca usei um computador, mas já vi mais de mili vezes. No cartório, no fórum, na casa de meus filhos."

Sobre a web, entende pouco, mas fala dela com precisão: "Nunca usei computador ou intemete, mas sei que é um equipamento que está mudando tudo. Foi do jeito que Padre Cícero disse que era". Seu Antônio é prova de que o poder da internet vai muito além das máquinas. No Brasil, no Nordeste ou no interior de Alagoas. O estado de Alagoas ainda tem baixo percentual de inclusão digital. Dos 842,6 mil domicílios do estado, apenas 132 mil possuem computador e são ligados na internet (15,7%). Ainda assim, quem da tecnologia se beneficia pode contar suas mudanças.

Vizinho de seu Antônio de Moura, o jovem Diego Lisboa faz parte de uma outra estatística. Ele acessa a internet há menos de um ano pelo telefone celular e pode ser incluído no Nordeste que se destaca pelo aumento na posse de celulares e no Brasil rural que se sobressaiu por crescer 10 pontos percentuais na aquisição desse tipo de aparelho, conforme mostra estudo do Comitê Gestor da Internet (CGI).

Conectando-se pelo celular, Diego conheceu as músicas do grupo de hip hop Black Eyed Peas, que parecem destoar em um território no qual os acordes do forró e do brega predominam. É em cima de uma pedra que Diego consegue o melhor sinal para ampliar sua lista de músicas preferidas e descobrir o que há de novo na rede. "Nesse lugar, o sinal é mais rápido", explica. Ele se acomoda sentado na pedra assim que acorda ou no final da noite. O jovem, de 15 anos, mudou o gosto musical e, pelo volume de garotos que costumam ficar ao redor dele ouvindo as batidas do grupo da Califórnia (EUA), deve influenciar as preferências dos amigos.

O Sítio Serra do Sobrado, distante meia hora do centro urbano de Mata Grande, faz parte de um mundo digital desconhecido pelos estudiosos da área de tecnologia. Pode-se dizer que este território do Sertão alagoano usufrui das novidades de um direito recém-conquistado. Desde o ano passado, a internet foi elevada à categoria de direitos humanos pela Organização das Nações Unidas (ONU). Em um relatório, publicado em 2011 (a versão original em inglês aqui), justifica a decisão. Diz o documento que acesso à web é um facilitador de outros direitos - econômicos, sociais, civis, políticos, associativos e culturais. Leva conhecimentos antes inatingíveis para alguns povos. Mata Grande e o Sítio conhecem a teoria na prática.








Princípios Gerais da ONU sobre o direito à liberdade de opinião e expressão e à internet

- O direito à informação deve ser valorizado por ser ela um facilitador de outros direitos fundamentais, inclusive econômicos, sociais e culturais, bem como direitos civis e políticos. E por permitir a participação do progresso científico, o direito à associação e de reunião

- O efeito revolucionário da internet é comparado a poucos mecanismos de desenvolvimento humano. Diferentemente dos outros meios de comunicação - como rádio, televisão, jornais e revistas - a internet representa um salto significativo para a interatividade. Indivíduos deixam de ser receptores e passam a ser editores ativos de informação

- A internet tornou-se um dos principais meios pelos quais o indivíduo pode exercer as liberdades de opinião e expressão, garantidas pelo artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos. O texto do artigo 19 trata do direito de o cidadão poder procurar, receber e transmitir ideias de todos os tipos

- A plataforma da internet é valiosa em particular em países onde não há imprensa independente, nos quais indivíduos podem compartilhar opiniões. É valiosa também porque os produtores de mídia tradicional podem usar a internet para expandir audiência a baixo custo. A internet permite a alguns povos um conhecimento antes inatingível

- O potencial da internet está nas suas características únicas, como velocidade, alcance mundial e relativo anonimato. A rede permite divulgar informações em tempo real e mobilizar pessoas que criaram temor entre governos e poderosos. Prova é que gerou aumento de restrições

- O uso da internet deve seguir o que é previsto em lei, como a preservação da reputação de outros, a ordem e segurança pública e respeito à proteção da criança. Da mesma forma, não deve servir para a propagação do discurso de ódio racial, religioso e difamação e outros casos como incitação ao genocídio

* Tradução livre do relatório original publicado em inglês sob o título "Report of the Special Rapporteur on the promotion and protection of the right to freedom of opinion and expression", cujo relator é Frank La Rue

Fonte: Organização das Nações Unidas (ONU) - Assembleia Geral, 16 maio de 2011 


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Nordeste lidera no crescimento de internautas

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), o Nordeste de Diego, seu Antônio e de três dezenas de entrevistados para este especial desponta como a região com o maior percentual de crescimento na quantidade de usuários da internet nos últimos anos.

Entre 2005 e 2009, último comparativo apresentado pelo Instituto, a taxa de internautas daqui passou de 11,9% para 30,1%. O salto, correspondente a 213%, representa o dobro do brasileiro e foi revelado pela Pesquisa Nacional de Amostras de Domicílio (PNAD), divulgada em 2010 (resumo aqui e resultados mais completos aqui).

Abaixo do Nordeste, aparece o Norte com 171% de aumento de usuários nesse intervalo de tempo, tendo passado de 4,46% para 22,64% de cidadãos conectados. O Nordeste líder no crescimento de internautas e destaque em outra estatística - de internautas plugados em redes de relacionamentos virtuais - mantém-se há décadas com os mais baixos indicadores de desenvolvimento humano do Brasil. Tem 53 milhões de pessoas, concentra 27,8% da população, porém responde por apenas 13,1% da riqueza nacional. 

A região é sinônimo de desigualdade regional, mas também de superação - conforme desnudam as estatísticas e as histórias desta reportagem.